Novas expectativas<br>para uma vida melhor
A Assembleia da República aprovou anteontem, 23, na generalidade, o Orçamento do Estado para 2016 e as Grandes Opções do Plano (2016/2019), com os votos favoráveis do PS, PCP, PEV, BE, a abstenção do PAN, e contra do PSD e CDS.
Este é um OE com sinais de inversão no caminho de regressão social e civilizacional
Não ignorando as «limitações e insuficiências» que conformam o documento, fruto das opções do Governo PS, o PCP entende que há nele «elementos positivos» que são merecedores de registo e que podem dar resposta a problemas prementes dos trabalhadores e do povo.
O que não é pouco e faz deste, para todos os efeitos, um Orçamento diferente. Diferente, diríamos, sobretudo se comparado com os orçamentos da política de exploração, empobrecimento e declínio nacional que marcou nos últimos quatro anos a acção do governo PSD/CDS.
Ora não sendo este o orçamento do PCP, e contendo medidas por este consideradas insuficientes, a par de outras que afirma não acompanhar, a verdade é que este é um OE que «incomoda os saudosistas da política da terra queimada e de concentração da riqueza, do custe o que custar, das inevitabilidades, dos que querem dobrar os que menos têm e favorecer a concentração da riqueza nas mãos de uns poucos», esclareceu o Secretário-geral do PCP.
Mais, para Jerónimo de Sousa, que falava na fase inicial do debate na primeira ronda a seguir ao primeiro-ministro, este é um OE com «sinais de inversão no caminho de regressão social e civilizacional que estava em curso».
O chefe do Governo, momentos antes, no arranque do debate, tratara já também de separar águas com o passado recente ao referir que este OE «cumpre a Constituição e cumpre compromissos de não cortar salários e pensões e não aumentar os impostos que o Governo prometeu não aumentar».
Detalhando o que o separa da governação anterior, disse que este OE «demonstra que é possível virar a página da austeridade, melhorar o rendimento disponível das famílias», garantindo que este se situa num valor superior a «700 milhões de euros». O que vai ao arrepio da vontade de PSD e CDS que pretenderiam, ao invés, se fossem governo, acusou, «cortar 600 milhões de euros nas pensões, manter a sobretaxa de IRS, tornar definitivos os cortes dos salários da administração pública».
História bem diferente...
Mas foi o Secretário-geral do PCP quem demonstrou, num exercício dialéctico e pedagógico, com elevada precisão, como seria totalmente diferente o OE que esteve em debate se, em resultado da luta do povo, não tivesse havido – como houve – uma alteração da composição da Assembleia da República.
«Seria mais um Orçamento de agravamento de injustiças e das desigualdades sociais. Seria um Orçamento de dolorosa continuidade e de acentuado sofrimento para a maioria dos portugueses, como o foram todos os orçamentos do governo PSD/CDS. Seria um Orçamento de mais cortes de rendimentos do trabalho e direitos laborais e sociais. Um Orçamento penalizador das camadas de rendimentos baixos e médios como sempre foram os orçamentos do governo do PSD/CDS. Seria mais um Orçamento de prolongamento do ruinoso percurso que conduziu ao acelerado retrocesso económico do País e ao seu empobrecimento», sumariou Jerónimo de Sousa.
E foram muitos os exemplos dados por si (e por outros deputados comunistas que intervieram no debate) que atestam como seria outro o conteúdo das contas do Estado caso a responsabilidade de as elaborar estivesse nas mãos do PSD e do CDS.
«Estaríamos aqui a discutir não o aumento das prestações sociais – o aumento ou a majoração do abono de família, do Rendimento Social de Inserção, do Complemento Solidário para Idosos ou o descongelamento das pensões de reforma –, mas a discutir e os portugueses a deplorar novos cortes de mais 600 milhões de euros nas prestações sociais e nas reformas e pensões», exemplificou o líder comunista.
Cortina de fumo
Por ser muito o que está em jogo e por terem a exacta noção da derrota que sofreram e do que a mesma representa, PSD e CDS e os seus círculos próximos posicionaram-se em todo este processo de elaboração e discussão do OE assumindo uma postura de grande agressividade.
Um fogo cerrado sobre o Orçamento que o líder parlamentar do PCP, João Oliveira, interpretou como uma desesperada tentativa no sentido de «fazer esquecer o que está para trás», esquecer o rasto de destruição que deixaram e «esconder as verdadeiras dificuldades em que afundaram o País».
Mas não só. Na mira do PSD e do CDS esteve também o objectivo de «criar todas as dificuldades à aprovação de medidas de sentido positivo» por forma a que não se torne ainda mais evidente a injustiça das opções e das medidas por si tomadas durante quatro anos.
E lembrou que já fora assim, aliás, com a oposição que fizeram à reposição dos salários em 2016, à diminuição e revogação da sobretaxa, à reposição dos feriados e dos complementos de pensão (votados esta terça-feira em votação final global), tudo com vista a devolver aos trabalhadores aquilo a que têm direito.
Desorientação
Daí o ataque descabelado ao OE por parte de um PSD que abdicou de apresentar propostas na especialidade (facto inédito em termos parlamentares), optando em exclusivo pela crítica cega – é «mau», «injusto», «bipolar», disse Luís Montenegro –, enquanto o CDS, pela mesma medida, viu nele falta de «credibilidade técnica» e «autoridade política». Fugindo da questão substantiva – a presença ou não de elementos com um rumo no sentido da resposta aos problemas do País e aos anseios das pessoas –, notório, em ambos, foi ainda a fixação na alegada existência de um hipotético «plano B», que estaria a ser negociado com Bruxelas, antevendo cenários negros de derrapagem orçamental. Pelo meio – e essa foi outra fragilidade revelada no debate e nas últimas semanas –, perderam-se em argumentos contraditórios, considerando uma vezes que o OE mantém a «austeridade», outras que é de «risco», «facilitista», «irresponsável».
No fundo, o que evidenciaram, ao recorrerem à «mistificação, ao ruído, à falsidade», como observou o deputado comunista António Filipe, foi a «desorientação em que PSD e CDS se encontram».
E o saberem, afinal – e daí o incómodo –, que este OE
é o primeiro em cinco anos que não tem o debate na generalidade a iniciar-se «sob o cutelo das inconstitucionalidades, sob o confronto com a Constituição».
Incómodo do PSD e CDS que o presidente da bancada comunista considerou resultar ainda de saberem que os falsos argumentos que utilizaram nestes anos foram derrotados pela luta dos trabalhadores e do povo, e que agora se torna cada vez mais evidente, com as medidas que vão sendo aprovadas, que «valeu e vale a pena continuar a lutar por uma política que dê resposta cabal aos problemas dos trabalhadores e do povo».
Ir mais longe
Mas do debate importa ainda reter essa ideia essencial sublinhada em várias ocasiões pela bancada comunista, em particular nas intervenções de Jerónimo de Sousa e Francisco Lopes, de que este é um Orçamento que «pode e deve ir mais longe na promoção do desenvolvimento do País e na melhoria das condições de vida do nosso povo se liberto das imposições europeias e de outros constrangimentos externos, nomeadamente dos que resultam dos encargos da dívida e do capital monopolista que domina o País».
Paulo Sá, abordando esta questão, interpelou directamente o ministro das Finanças para lhe fazer notar que o «problema da dívida não pode ser empurrado para debaixo do tapete», e anunciou que o PCP apresentará propostas e intervirá para que a AR volte a discutir esta matéria.
Tal como em relação ao desagravamento fiscal, matéria sobre o qual disse estar disponível para debater na especialidade, Mário Centeno revelou estar o Governo também aberto ao debate sobre a dívida, embora ressalvando ser esse um debate que «não suscitará».
O PCP, pela sua parte, como salientou na intervenção final o deputado Francisco Lopes, é que não «desaproveitará nenhuma oportunidade para melhorar as condições de vida dos trabalhadores e do povo», tal como «prosseguirá convictamente a acção e a luta para assegurar um Portugal desenvolvido e soberano, um Portugal com futuro». E é com essa determinação que encara e apronta o debate do OE na especialidade. Essa foi a garantia e o compromisso por si deixados no debate.
Posição contra
Reiterando a posição assumida pelo Comité Central do PCP na reunião de domingo, 21, e divulgada em primeira mão pelo seu Secretário-geral, Jerónimo de Sousa, na declaração que fez nesse mesmo dia, Francisco Lopes, na intervenção de encerramento do debate do OE, enunciou os aspectos constantes do documento relativamente aos quais o Partido tem um forte distanciamento, justificando, por essa razão, uma tomada de posição contra. Entre essas matérias está, designadamente, a questão das restrições impostas aos trabalhadores e serviços da Administração Publica e do Sector Empresarial do Estado com impacto nos seus rendimentos, progressões vínculos e direitos ou as concessões da Silopor e da IP Telecom.